O cliente não aprovou e atrasamos as entregas do projeto pelo tempo da refação.
Quantas vezes você já ouviu isso nas agências, leu textos e até memes na internet sobre aprovação de projetos de marketing?
E o que fazer para que isso não seja responsável pelo atraso no cronograma da agência?
Antes de revisar o plano de marketing, ou os métodos de gestão de Marketing Digital da sua empresa, é necessário revisar processos de alinhamento de estratégia com cliente.
A falta de alinhamento pode ser um dos gargalos na operação...
Pelos atraso nos projetos e demora das aprovações de materiais, algumas empresas acreditam que há uma falha nos processos da equipe ou até buscam novas ferramentas de gerenciamento de projetos.
Entretanto, na maioria das vezes, as entregas se distanciaram do principal ideal do projeto como um todo, ou esse objetivo não está claro para a agência e para o cliente.
Esse problema persiste desde o período Barroco. Por volta de 1600, o pintor italiano Michelangelo Merisi Caravaggio se desentendeu com o cliente e teve que "refazer a job” por esse motivo-chave que ainda assombra as aprovações.
Peço licença para tomar emprestado esse exemplo secular para traçar um paralelo com os processos atuais de gestão de projetos de marketing, briefing e aprovação com clientes. Vamos lá?
Uma história de Caravaggio no período Barroco
O período Barroco teve como característica a produção de obras patrocinadas pela igreja. Nessa época, os “investidores", ou principais patrocinadores dos artistas, eram do clero. Muitas das obras mais importantes do mundo estão até hoje em igrejas, capelas e templos.
Pois bem, em 1602, Caravaggio leu um “briefing” póstumo do cardeal Matteo Contarelli, para a criação da obra a ser colocada sobre o altar da Capela Contarelli da Igreja de São Luís dos Franceses (Roma).
O briefing
- Nome: São Mateus e o Anjo
- Dimensão: 17 palmos de altura e 14 palmos de largura
- Objetivo: expor e comunicar a escrita do Evangelho segundo São Mateus sob intervenção divina de um anjo
- Descrição: "San Matteo na cadeira com um livro, ou volume, como melhor pareça, no qual mostre a escrita ou a vontade de escrever o Evangelho. Ao lado dele, o anjo de pé maior do que o natural em acto que pareça de pensar.”
- Público-alvo: congregação e frequentadores da capela e devotos de São Mateus.
A entrega do projeto
Em 1602, Caravaggio entrega sua primeira versão da obra, a qual pintou com seus sinceros sentimentos. Orgulhoso, chegou a colocá-la na parte central da capela.
Como era um artista experiente, assim como os designers, redatores e criativos das agências, sentia que ali tinha aplicado todo o seu conhecimento e técnica para a criação da peça. Como profissional, havia trabalhado com a maior qualidade que pudera.
Convenhamos que a perfeição da peça até assusta. Mas a entrega técnica não era o único fator que seria utilizado no julgamento da obra. Afinal, tratava-se de mais do que uma obra de arte.
A aprovação do projeto
Segundo Giovanni Baglione, pintor e historiador do período Barroco, a primeira versão da obra de Caravaggio fora rejeitada pela Congregação, pois não tinha decoro, nem aspecto de santo.
Segundo ele, o fato de estar descalço e ter um anjo segurando fisicamente em sua mão, enquanto escrevia o Evangelho, retratava uma figura distinta da que se esperava de um santo culto e alfabetizado.
Em linguagem atual, a “peça" não retratava o “conceito criativo” proposto e poderia causar ruídos na comunicação com o “público-alvo”.
Mais do que simplesmente retratar a cena, a obra deveria fazer parte do contexto e das intenções que a igreja vivia na época.
A refação da “job" e o atraso no cronograma do projeto
Caravaggio teve novo prazo e novas instruções, com um "briefing" mais completo, para refazer a peça.
Segundo a escritora Rosella Vodret, havia uma comissão eclesiástica responsável por alinhar a criação da obra com as intenções e características esperadas pela igreja e compatível aos olhos do público.
Segundo Vodret, a comissão buscava o que o John Shearman nomeia de “Êxtase do Santos”. Normalmente retratados como referência e beleza divina.
Transportando para a linguagem publicitária, o "briefing" foi refeito com os seguintes ajustes:
- Compartilhamento de análise do público-alvo (Persona)
- Análise macroambiental em que o projeto está inserido.
- Alinhamento de conceito criativo entre “agência” e “cliente".
- Estudo de identidade visual
A entrega final para o cliente
Dessa vez, com conceitos mais alinhados e contexto total muito bem definido, Caravaggio pintou a versão final que até hoje pode ser vista na capela.
A imagem fica claramente mais condizente com a identidade visual utilizada pela igreja na época e também traz o conceito das figuras santas.
Aprendizados de gestão de projetos de marketing que podemos tirar dessa história
Aprendemos com Caravaggio que o alinhamento da estratégia entre cliente e produtor é o principal fator que vai levar os cronogramas dos projetos de marketing serem mais seguros.
Parece uma afirmação vaga, mas manter todos “na mesma página", como falamos em nossos dia a dia, não é tarefa fácil. Ainda mais tratando-se de projetos complexos de marketing.
Listamos algumas dicas para evitar problemas em aprovações com clientes:
- Alinhe o conceito criativo de campanha com o cliente final e atualize periodicamente.
- Crie um documento de resumo da estratégia de marketing compartilhado com a equipe.
- Faça benchmark junto ao cliente para conhecer referências.
- Compartilhe características do cliente com todas a equipe de produção (Persona cliente).
- Em apresentação de qualquer material, retome o conceito acordado e objetivo da peça.
- Mantenha o cliente atualizado do status do projeto e novas decisões estratégicas através de reuniões periódicas.
Ter a segurança de um artista é excelente para a execução de peças de um planejamento de marketing, mas o olhar estratégico é o principal para que a peça faça sentido para toda a organização.
