Este artigo foi escrito por Sônia Lesse, que é sócia e diretora de Experiências na Profissas, a Escola da Diversidade. Sônia é palestrante confirmada no RD Summit 2022, que acontece entre os dias 26 e 28 de outubro em Florianópolis. O evento contará, também, com uma curadoria de palestrantes e painelistas da Profissas.
Se chegar ao topo de uma empresa já é difícil para as pessoas em geral, podemos dizer que os grupos representativos enfrentam desafios ainda maiores para alavancar suas carreiras.
E, se hoje existe uma cor das lideranças nas companhias, certamente ela não é preta.
Por mais que a importância de ter equipes mais diversas venha entrando na agenda das empresas, as dificuldades para pessoas pretas escalarem posições mais elevadas no mercado de trabalho são grandes.
E os dados abaixo comprovam essas desigualdades raciais e de gênero nas organizações. Vejamos:
Mesmo com 56% da população brasileira se declarando preta ou parda, apenas cerca de 4% estão em cargos de liderança. Os dados são do Instituto Ethos, em pesquisa com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil.
O estudo ainda aponta que cerca de 57% das pessoas pretas são aprendizes e trainees, mas na gerência elas são 6,3%. Ou seja: pessoas pretas só são maioria em posições operacionais e técnicas, mas também possuem participação reduzida em cargos de alta gestão.
Para se ter uma ideia, de acordo com os dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas pretas, mesmo quando possuem as mesmas competências, recebem salário até 31% menor do que as brancas que ocupam o mesmo cargo.
Esses são apenas alguns números de tantos outros que reforçam que a luta pela igualdade deve continuar. Só assim pessoas negras conseguirão conquistar cargos de liderança nas companhias.
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Mulheres negras e mercado de trabalho
Se pararmos para observar quem são as pessoas que ocupam cargos de liderança e posições de maior visibilidade na sociedade, na maioria das vezes iremos encontrar homens.
E, se vemos alguma mulher, ela é colocada em situação de inferioridade ao seu par masculino, seja em salário ou prestígio na companhia. Além disso, elas são vítimas recorrentes de violências nas empresas, até mesmo nos processos seletivos.
Se já é difícil no processo de recrutamento e seleção, imagina o quanto é complicado para mulheres pretas chegarem a postos de liderança, não é mesmo?
Uma pesquisa de 2022 realizada pela comunidade Potências Negras ® e a Shopper Experience, com 812 mulheres pretas (acima de 18 anos, classes A,B,C,D e E), revela as disparidades existentes no ambiente corporativo.
No estudo, quando se fala sobre racismo no mercado de trabalho, 62% delas disseram ter sofrido discriminação durante processo seletivo (uma vez). Além disso, aproximadamente 40% das entrevistadas relataram que sofreram preconceito mais de duas vezes.
O levantamento Potências Negras Mulheres é mais uma demonstração de que a desigualdade racial e de gênero estão presentes em todas as áreas da sociedade.
As consequências emocionais e psicológicas de uma mulher que passou por uma situação discriminatória, e que vive em uma sociedade estruturalmente preconceituosa, são enormes.
Ideias como “não sou capaz de fazer isso”, “não sou inteligente o suficiente”, “eu não mereço”, “há outras melhores do que eu”, são alguns exemplos. Essas “verdades equivocadas”, que as impedem de se desenvolverem e expandirem seu potencial de crescimento nas organizações, são chamadas de crenças limitantes.
As formas de exclusão que são conduzidas sistematicamente, estruturalmente e institucionalmente impõem barreiras e limitações que impedem mulheres pretas e de outros grupos representativos de avançarem na carreira. Nesse universo, fazem parte o racismo, machismo, LGBTfobia, capacitismo, entre outras violências e preconceitos.
Esses estereótipos conduzidos socialmente ditam padrões que inferiorizam muitas mulheres, fazendo com que elas sejam consideradas menores, menos capazes ou insuficientes, descoladas no contexto social do qual estão inseridas.
O resultado óbvio é a falta de mulheres negras em cadeiras de lideranças.
Os desafios para inclusão de pessoas pretas e pardas nos cargos de liderança
Uma das grandes consequências do nosso passado de escravidão é a desigualdade racial no mercado de trabalho. Apesar dos avanços da política de cotas universitárias, por exemplo, ainda nos deparamos com um déficit de pessoas pretas em posições de alta liderança.
Um estudo desenvolvido pela consultoria IDados, mostra que pessoas pretas enfrentam mais dificuldades para ingressar na profissão do curso realizado no ensino superior. Dessa forma, acabam exercendo ocupações de qualificação inferior.
Nesse sentido, é possível concluir que o nível de escolaridade é uma parte da desigualdade, mas não é todo o problema. Há discriminação no momento de contratar pessoas pretas, criando um verdadeiro “abismo racial no mercado de trabalho” em favor das pessoas brancas.
Podemos dizer que o indivíduo reconhecido como branco desfruta de uma série de privilégios. Entretanto, essas vantagens são negadas a pessoas não-brancas.
Mesmo com alguns progressos nos últimos tempos, a realidade dos grupos étnico-raciais, especialmente pessoas pretas, ainda passa longe de ser a ideal no mercado de trabalho.
A exclusão social e econômica desses grupos por um longo período de tempo produziu efeitos que podem ser sentidos na sociedade até os dias de hoje. A falta de pessoas pretas e outros grupos representativos em cargos de liderança é uma das consequências.
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O que é preciso ser feito?
Aumentar o número de lideranças negras dentro das empresas vai muito além de contratar pessoas pretas e pardas e promovê-las para cargos gerenciais. É urgente e necessário que haja preparação de todo o time para reter, desenvolver e incluir esses talentos.
As empresas precisam de uma estrutura para acolher a diversidade, ou então estaremos cumprindo metas sem sentido. Educar sobre questões raciais, fazer um diagnóstico da diversidade na empresa e engajar a liderança e o RH com a pauta racial são os principais caminhos para qualquer organização promover a equidade entre pessoas brancas e pretas, principalmente nos cargos de liderança.
Nesse processo de inclusão, é importante saber o percentual já existente de pessoas pretas e pardas dentro das empresas. Depois dessa avaliação, é fundamental iniciar o processo de mudanças, a começar pelo apontamento de como estão as ações voltadas para a inclusão de pessoas negras e outras interseccionalidades.
Não é uma tarefa fácil, por isso muitas empresas sentem dificuldade para começar as ações de inclusão e desenvolvimento voltadas para um time diverso.
Começar do começo: a minha redundância é proposital
Como dito anteriormente, muitas vezes a discriminação acontece ainda na descrição da vaga ou no processo seletivo. Por isso, é preciso pensar cuidadosamente em toda a jornada da pessoa colaboradora, desde a descrição da oportunidade até o seu desligamento, quando isso acontecer.
Deixe explícito na descrição da vaga o compromisso da empresa em ser um ambiente inclusivo e diverso. Mas tenha honestidade: se sua empresa ainda estiver introduzindo o tema e ações internamente, compartilhe o real estágio de desenvolvimento e convide as pessoas para fazerem parte disso.
Já no recrutamento, quando ele é inclusivo, as empresas evitam que as pessoas sejam vítimas de racismo, LGBTfobia, capacitismo, entre outras formas de violência logo na contratação. Ele é capaz de dar as mesmas oportunidades para profissionais de diferentes cores de pele, gêneros, sexualidade, idades, religiões, entre outros grupos.
Infelizmente, o recrutamento em muitas organizações ainda é carregado de vieses discriminatórios, pois associa a qualidade profissional a determinadas características físicas, sociais e emocionais da pessoa candidata.
Seja uma pessoa aliada da diversidade: conte com pessoas negras para fazer a inclusão acontecer de verdade
Nesse sentido, é importante que todas as áreas e pessoas envolvidas no processo de atração e seleção estejam sensibilizadas e letradas na pauta da diversidade, construindo um ambiente livre de preconceitos. O objetivo é quebrar essa barreira colocada pelos vieses e enraizar a Diversidade e Inclusão na cultura da empresa.
Para isso, RH e lideranças devem enxergar a diversidade como vantagem para a companhia. E isso só será possível com responsabilidade compartilhada. É papel da liderança compartilhar com o RH o compromisso de promover uma cultura inclusiva e um ambiente seguro para todas as pessoas, desde o processo de atração até o desligamento.
Muitas vezes, estas acabam contratando pessoas semelhantes a elas, o que dificulta a criação de um espaço criativo e inovativo. Mostre que a sua companhia é um ambiente seguro, em que todas as pessoas podem ser quem realmente são, sem qualquer tipo de prejuízo por causa disso.
Promover ações de diversidade e inclusão é combater problemas estruturais da sociedade. Mesmo de maneira inconsciente, podemos encontrar dificuldades para fugir do que é padrão ou convencional em nossos pensamentos.
Dessa forma, é importante que profissionais negras e negros participem do processo de contrução dos espaços inclusivos nas empresas. Não são elas que precisam resolver a questão da diversidade nas organizações ou combater o racismo, mas podem ajudar a formar um time mais diverso e inclusivo.
>> Leia também: O papel das empresas na busca por igualdade racial: conheça a história do Preto no Preto e seu poder de transformação na RD
Rumo a um futuro diverso e inclusivo
Há muito trabalho a ser feito nas companhias quando o assunto é inclusão de pessoas negras, principalmente na liderança.
Reconhecendo que a Diversidade e a Inclusão trazem benefícios para os negócios, é preciso, agora, fazer com que a liderança entenda que mudança é urgente e inadiável.
A empresa deve começar reconhecendo o que tem sido feito de errado e o que pode ser melhorado e corrigido. Esteja ciente que as mudanças em prol da inclusão das pessoas negras devem ter um início, mas nunca um fim.
Tenha em mente que a desigualdade racial e as desvantagens que pessoas pretas possuem em diversos contextos sociais é de séculos atrás e não serão resolvidas da noite para o dia. Por isso, o processo para ter representatividade negra na liderança deve ser constante, exigindo dedicação, estudos e mobilização de todas as pessoas e setores do negócio.
Na Profissas, eu tenho a oportunidade de levar a Diversidade e Inclusão para as pessoas e empresas e você pode estar comigo e outras pessoas aliadas.
E aí, vamos juntes nessa?