Qual é a cor da oportunidade no Vale do Silício? Essa foi uma das perguntas que a emblemática série da CNN “Black in America 4: The new promised land - Silicon Valley”, de 2011, buscou responder - e que eu conheci através do Portal Geledés.
Com o lançamento do documentário, houve um aumento na discussão sobre o número de negros empresários no Vale do Silício. Afinal, em 2010 apenas 1% de todo o dinheiro de venture capital foi para startups digitais com afro-americanos fundadores, segundo o instituto CB Insights.
Qual é, então, o cenário racial do Vale do Silício?
Segundo a Vice, em 2015 a estatística sobre diversidade dentro do setor tecnológico do Vale do Silício indicava ainda um avanço muito lento. No Facebook e no Google, por exemplo, apenas 2% dos funcionários eram negros, ao passo que os funcionários brancos representavam 55% e 60%, respectivamente.
Em paralelo, apesar de todo o sucesso de mulheres como Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, e Marissa Mayer, diretora-executiva da Yahoo!, a Bloomberg aponta que os homens preenchiam aproximadamente 70% dos empregos e mais de 80% dos cargos técnicos nas principais empresas de tecnologia.
Assim, as minorias não são apenas excluídas dos cargos técnicos dos setores que mais crescem no país: elas também recebem menos do que seus colegas brancos.
Ainda segundo a Vice, negros ganham cerca de US $3.656 a menos por ano do que seus colegas brancos, de acordo com o Instituto Americano de Pesquisa Econômica. Ao mesmo tempo, um estudo do USA Today mostrou que a quantidade de estudantes negros e latinos se formando em ciência da computação em universidades renomadas é duas vezes maior do que a taxa de contratação desses grupos demográficos.
Saltando para 2019, na recente pesquisa Silicon Valley Index, notamos que os avanços continuam a passos pequenos:
Diante dessas informações, fica difícil não comparar e fazer a pergunta: e aqui no Brasil?
Qual é o cenário brasileiro da diversidade racial na tecnologia?
Infelizmente, ao contrário do que acontece nos EUA, as pesquisas e estudos sobre diversidade racial dentro do segmento de empresas de tecnologia no Brasil não são amplas. O que sabemos mais recentemente é resultado do estudo Quem Coda o Brasil?, do PretaLab (Olabi) - instituto que mapeia e incentiva a participação de mulheres negras em ambientes de tecnologia.
Enquanto 54% da população brasileira é formada por pessoas pretas e pardas, somente 36,9% dos profissionais que responderam a pesquisa se declararam deste grupo. Enquanto 32,7% dos entrevistados disseram não ter nenhuma pessoa negra em sua equipe.
O mesmo estudo revelou, ainda, que o perfil das pessoas que trabalham em tecnologia é preponderantemente jovem, com 77% dos entrevistados na faixa etária entre 18 e 34 anos. E também é concentrado nas capitais do país, com 65% do total.
Estatísticas de mulheres
Além disso, embora mais da metade da população do país seja formada por mulheres, sendo que 27% de todos os brasileiros são mulheres negras, o mercado de tecnologia é formado predominantemente por homens (68,3%) e pessoas brancas (58,3%). Entre os entrevistados do estudo do PretaLab, 21% responderam que em suas equipes não há nenhuma mulher.
Em 120 anos, a própria Escola Politécnica da USP, referência na área de exatas no País, formou apenas 10 mulheres negras - os números são da própria instituição. Quando buscamos as pioneiras da ciência no Brasil, nenhuma das mulheres citadas no CNPQ é negra, como mostra a pesquisa da Olabi. Há uma carência de acesso, incentivo e representação como efeito do racismo estrutural no Brasil.
Em um mundo cada vez mais digital e em constante mudança, essa ausência pode resultar em um aumento da desigualdade. As mulheres negras precisam fazer parte das vertiginosas mudanças tecnológicas pelas quais passa a economia global.
PretaLab
Entre 2012 e 2016, o número de brasileiros que se autodeclaram pretos aumentou 14,9%. Porém, ainda segundo o PretaLab, essa maioria numérica ainda não resultou no necessário direcionamento de recursos, políticas públicas, pesquisas e inclusão tecnológica para a população negra em geral.
Tecnologia é a linguagem do século 21. É política, é poder, é direitos humanos, é cidadania. É fim e é meio. Tem que andar em conjunto com todas as outras causas e pautas, senão estaremos sempre um passo atrás.
Silvana Bahia, diretora do Olabi e idealizadora do PretaLab
E a Ilha do Silício, onde entra nisso?
Segundo a Prefeitura de Florianópolis, não à toa, a cidade foi chamada de “Vale do Silício da América Latina” pela BBC World. Isso lhe rendeu o apelido de “Ilha do Silício”, justamente em alusão à região dos EUA em que se concentram as maiores empresas de tecnologia do mundo.
O Brasil tem cerca de 195 mil empresas de tecnologia. De acordo com dados da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), hoje existem mais de 900 empresas de tecnologia somente na Ilha. Juntas, elas faturam mais de R$ 5,4 bilhões ao ano.
Quanto ao número de empregos diretos, Florianópolis é o maior polo do Brasil, com 2.552 colaboradores para cada 100 mil habitantes. Já com relação ao número de empreendedores, a capital catarinense só perde para São Paulo: são mais de 750 empreendedores a cada 100 mil habitantes.
O que esses dados te dizem?
Olhando para todos esses números, eu vejo, com grande esperança nesse setor, uma possibilidade de geração de renda e de emancipação econômica para a população negra - uma vez que o setor é o futuro, tem rápido crescimento e salários atrativos.
Mas, estando no sul do País, majoritariamente branco, esse ecossistema tem os atuais desafios do vale americano quando falamos em diversidade. Porém, com grande potencial se pensarmos a nível Brasil e sua população com 54% de negros.
E, como já diria Tio Ben, com grandes poderes vem grandes responsabilidades!
Então, fica claro que, para mudar esse cenário de desigualdades, é essencial que pensemos sobre a democratização do acesso a essa “economia da inovação tecnológica”.
Mas, afinal, como mudar esse cenário?
Aqui na Resultados Digitais, nós temos buscado agir através do Preto no Preto.
Para ir além do discurso superficial, o Preto no Preto surgiu para debater as relações raciais no ambiente profissional. Recheado com estudos históricos e culturais do Brasil e do mundo, o grupo atua dentro da RD a partir de reflexões sobre as raízes dos problemas no mundo corporativo. Além de debater quais seriam as formas mais eficientes para diminuir a desigualdade racial nesse ambiente.
Leia mais: Grupos de afinidade como estratégia de inclusão e diversidade
O objetivo do grupo é fortalecer a promoção da igualdade racial, estabelecendo políticas institucionalizadas na Resultados Digitais e um aumento da consciência racial da própria organização.
Fazemos isso por meio da exposição e educação do assunto para todos os níveis da empresa com debates, conteúdos e dinâmicas inclusivas como o mês do Preto no Preto, feito em novembro do ano passado. Tivemos ações como o Jogo do Privilégio e apresentações com pessoas referências no tema que movimentaram a empresa ainda mais.
Black Talks: Vozes negras na tecnologia
Mas nós percebemos que temos a responsabilidade de ir além das paredes da RD e buscar movimentar também o nosso entorno.
Nesse sentido, um exemplo de ação foi a realização do evento Black Talks: Vozes negras na tecnologia aqui na sede da RD. Foi a nossa primeira iniciativa visando dar início a uma rede de profissionais negros de diferentes backgrounds e empresas. O objetivo foi conectar vozes negras do mercado de tecnologia e outras áreas da região e debater os desafios e oportunidades desse mercado para nós.
O evento foi um marco e conseguiu atrair cerca de 80 profissionais negros e negras de Florianópolis para um encontro extraordinário. Não tenho dúvidas de que será uma porta para outros encontros, realizações e fortes conexões.
De acordo com Nina Silva, CEO do Movimento Black Money, executiva em TI e uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo, a tecnologia tem que ser para todas as pessoas:
As organizações têm que entender que elas estão perdendo mercados e segmentos por não enxergar uma grande parcela da população, que não é representada. Dados da consultoria McKinsey apontam que empresas com maior diversidade de gênero lucram 21% a mais, e com diversidade de raça, 30% a mais. Inovação não é reagirmos a um erro de mercado, mas sim inserirmos o que existe de novo no nosso negócio
Ela também defende que não adianta esperar que apenas as empresas façam algo, “temos que criar as nossas próprias soluções para resolver os problemas”. Se organizar, se conectar e tentar disseminar os espaços de poder e de fala, dar visibilidade e compartilhar o que temos - seja conhecimento e experiência, seja oportunidades e dinheiro.
E você? Já sabe qual é o seu papel nesse movimento em busca de uma tecnologia mais diversa?
E sua empresa? Tem participado ativamente e intencionalmente para melhorar esse cenário?
Este post é um convite à discussão e um chamado à ação
Ao longo do texto, há vários links para conteúdos. Mesmo assim, deixo aqui também outros estudos, caso você queira se aprofundar no assunto:
- Conheça o PretaLab da Olabi, levantamento que traz entrevistas, dados, vídeos, histórias e um panorama geral do Brasil sobre representatividade de gêneros e raças no universo da inovação
- A Cor do Trabalho: empresas se beneficiam com mais negros em cargos-chave, mas isso diminui o racismo estrutural?
- Etnus: pesquisa sobre como afrodescendentes consomem o mercado de trabalho
- Como ganhar apoio para iniciativas de diversidade e inclusão em tecnologia
Caso você queira trocar/colaborar com esse movimento, vamos bater um papo! Deixo aqui meu LinkedIn para que possamos nos conectar!
Por fim, você é um profissional negro? Que tal se juntar a nós do Preto no Preto nessa jornada aqui na RD? Temos vagas abertas!