No mês de março, o Blog da Resultados Digitais promove uma série de posts semanais com “Histórias de Empreendedoras”. Convidamos mulheres para compartilharem suas trajetórias de empreendedorismo e inovação.
A primeira convidada é a Tatiana Pimenta, CEO e fundadora da Vittude, startup focada em Psicologia e coaching. Tatiana conta a história da engenheira que se apaixonou por Psicologia e fundou uma startup de saúde mental com pacientes em mais de 50 países!
Em vez de ler, que tal ouvir a história? Experimente no player abaixo:
Há quinze anos, eu concluía minha graduação em Engenharia Civil. Escolher minha profissão nunca foi uma grande questão quando era adolescente. Desde muito nova gostava de matemática. Não só gostava, como tinha facilidade em analisar e compreender os números.
Durante toda minha infância, meu pai trabalhou em uma construtora cujo foco era infraestrutura. Lembro de ouvir ele falando sobre estradas, muros de arrimo, contenção e pavimentação. Anos antes de chegar na Engenharia, eu já sabia de cor e salteado o que era CBUQ (sigla para Concreto Betuminoso Usinado a Quente, mais conhecido como asfalto).
Com pouco mais de 12 anos, já falava em fazer Engenharia. Quando cheguei aos 16, assinalar Engenharia Civil na ficha de inscrição para o vestibular foi algo bastante natural. Algumas divergências em casa: meu pai adorava a ideia de ter uma filha engenheira e minha mãe receava frustrações por ser um curso predominantemente masculino e possivelmente machista.
Segui em frente e prestei vestibular para três universidades públicas. Gostar de estudar e adquirir conhecimento era realidade, por isso não tive dificuldades escolares. Fui aprovada nas 3 opções escolhidas, tendo sido a primeira colocada na Universidade Estadual de Londrina, onde escolhi fazer minha matrícula. Depois de alguns ruídos por escolher Londrina ao invés da USP de São Carlos, vivi por lá cinco dos meus melhores anos.
A graduação em Engenharia Civil
Durante a faculdade, fiz estágios em diversas áreas: saneamento, construção civil, projetos, planejamento e orçamento. Também explorei a parte acadêmica. Participei de alguns projetos de pesquisa com apoio do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na área de geologia, fundações e mecânica de solos. Meu trabalho de conclusão de curso foi um estudo sobre o desempenho de estacas escavadas em terrenos argilosos. Pensem em um negócio técnico; pois então, essa era eu.
Cheguei a cogitar seguir da graduação direto para um mestrado na área de Geotecnia. Já tinha feito conexões com professores da USP São Carlos para seguir o mestrado lá, uma vez que não tinha ido na graduação (risos). Porém, um imprevisto familiar fez com que eu adiasse a ideia e retornasse para minha cidade natal após a formatura.
No início de 2004, o Brasil estava estagnado. Construção civil pagava muito pouco e, para uma menina de 22 anos recém-formada, poucas portas se abriram de imediato. Procurar emprego na construção não era tarefa fácil. Decidi começar a fazer projetos.
Fiz cartões de visitas, criei uma logo com meu nome e comecei a falar para todos que estava formada e atuando na área. Meu tino comercial já dava seus primeiros sinais, ainda meio inconscientemente para mim. Consegui fechar alguns contratos e realizar projetos de arquitetura, hidráulica, elétrica e até executar obras de pequeno porte.
Ao mesmo tempo, sentia que não podia parar de aprender. Escolhi pesquisar por áreas e conteúdos que fossem complementares à Engenharia, como administração de empresas. Foi então que comecei um MBA em Gestão Empresarial na UFMS.
A entrada no mercado de trabalho
Nessa época observava o surgimento de uma série de programas de trainees. Elegi algumas empresas que conhecia e admirava, e fiz inscrições para concorrer a uma vaga. Antes do término do MBA, já havia sido uma das 15 trainees selecionadas pela Votorantim Cimentos para atuar em seu recém adquirido braço de concreto usinado, a Engemix.
A Votorantim foi uma das minhas grandes escolas, onde eu aprendi na prática boa parte das ferramentas que uso hoje na condução da minha empresa. Fiquei lá até o final de 2008, migrando para um grupo cimenteiro português chamado Cimpor (Cimentos Portugal) e atualmente conhecido como Intercement, do grupo Camargo Corrêa.
Durante o início da minha carreira trabalhei com logística, manutenção e operações. Sempre muito falante e com facilidade em me conectar com pessoas desconhecidas, recebi de um gestor da Votorantim a missão de assumir operações e vendas conjuntamente, descobrindo assim uma vocação para área comercial.
Nas próximas empresas, viria a desempenhar papéis exclusivamente relacionados a vendas e marketing. Na Arauco, fui gerente regional de vendas para as regiões Sudeste, Centro-Oeste e o estado do Amazonas. Fui responsável pela gestão de 12 pessoas e quase 50% do faturamento da operação brasileira de painéis de madeira.
Depois de quase 4 anos de muito aprendizado e alegrias nessa empresa, recebi o convite para integrar o time de gerentes de vendas da Hilti, multinacional suíça fabricante de equipamentos para construção civil. Nesta última fiquei até agosto de 2015, quando aposentei minha CLT.
A essa altura vocês já devem estar se perguntando: mas cadê a Psicologia?
Agora os fatos aleatórios começam a se conectar!
Ao longo dos meus anos de carreira corporativa, pensei muito pouco em empreender. Meu foco era chegar uma posição de diretoria ou me tornar a general manager de alguma operação no Brasil ou no exterior. Tinha sempre em mente que deveria estar atenta aos resultados, batendo meta, atingindo bônus acima da média e sendo reconhecida pelos meus empregadores. Era nesse sentido que vinha minha caminhada até 2015.
No entanto, a vida nos prepara algumas surpresas. Acontecimentos inesperados surgem para que possamos questionar o propósito e a razão de muitas escolhas. Em agosto de 2015, fui demitida da Hilti no mesmo dia em que meu pai descobriu um câncer. Contei um pouco mais dessa história neste artigo.
Naquele momento, senti que um buraco negro começava a se abrir na minha frente. Havia perdido meu chão! Absolutamente nada mais fazia sentido. Tinha apenas uma certeza: só queria estar perto da minha família. Decidi não procurar emprego e entender a minha demissão como a mais pura e real materialização da expressão “Deus escreve certo por linhas tortas”.
Ao mergulhar no caso do meu pai, encontrei algumas dificuldades de acesso a bons profissionais de saúde em minha cidade natal. Toda experiência vivida nesse período fez uma ficha cair: saúde no Brasil é super inacessível. Não somente por questões financeiras, mas pela geografia também.
Nosso país é gigante em termos de território. E a realidade é que boa parte dos bons profissionais, seja na área médica ou na Psicologia, estão concentrados nas grandes capitais. Apenas para ter uma ideia, o estado de São Paulo concentra 55% dos psicólogos brasileiros, tendo apenas 21% da população.
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É hora de recomeçar
Passada a tempestade e meu pai estando curado, tive a oportunidade de reservar tempos para reflexão. Percebi que uma nova Tatiana havia nascido, quase uma fênix. Não fazia mais nenhum sentido retornar para a construção civil, ainda hoje arrasada pela corrupção e descobertas da operação Lava Jato. Uma inquietação era presente dia e noite: saúde precisava ser acessível!
Desde então, passei a estudar temas como telemedicina e inovações relacionadas à saúde. Ao conversar com gigantes do setor como os Hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês em São Paulo, compreendi que telemedicina demandaria mais alguns anos de maturação e discussão para ser realidade no Brasil. Porém, descobri que na Psicologia já se falava em terapia online desde o início dos anos 2000, sendo a primeira regulamentação de 2005.
E, como diria Steve Jobs, só conseguimos conectar os pontos olhando para trás. Nessa ocasião observei com alegria passado e futuro se conectando e fazendo sentido. Faço terapia desde 2012, quando experimentei um quadro conhecido como Transtorno do Estresse Pós-Traumático e um início de depressão.
Tive grande dificuldade em encontrar um psicólogo. Fiquei frustrada algumas vezes agendando consultas com profissionais da rede credenciada do meu plano de saúde. Descobri na prática que a maioria dos bons psicólogos não são aderentes dos convênios de saúde em função da sua baixa remuneração. Acreditem, muitos planos pagam menos de R$30,00 por uma consulta psicológica, levando até 60 dias para repassar o valor ao profissional.
A Psicologia e a terapia transformaram minha vida. Não só permitiram que eu aprendesse a lidar com meu trauma, como superasse medos, angústias e me tornasse uma mulher forte e segura. No instante “eureka” sabia que não haveria outro caminho senão o do empreendedorismo.
Em maio de 2016 nascia a Vittude, nome criado à partir da junção das palavras Vital + Saúde. O conceito da marca estava ligado ao entendimento de que queríamos construir uma solução que fosse vital para a saúde da nossa população. Uma frase da OMS também serviu de inspiração: não há saúde, sem saúde mental. Se isso é verdade, saúde mental deveria ser vital para a saúde. O sinal de + virou o segundo T da marca.
Depois de quase três anos, sigo me apaixonando cada dia mais pela Psicologia. E foi assim que acabei deixando a construção civil para dedicar-me a um projeto de saúde mental. E foi por uma experiência de vida dolorosa que uma engenheira se apaixonou pela Psicologia e pelo potencial desta ciência em transformar vidas.
Agora em março volto a Londrina para celebrar 15 anos de formada junto com meus colegas de turma. Nunca me arrependi de ter estudado Engenharia. Acredito que se não fosse engenheira, não teria conseguido avaliar com clareza e lógica todas as possibilidades que se apresentaram diante de mim ao longo da vida. Como diria um antigo professor, a Engenharia nasceu para solucionar problemas e cá estamos nós, solucionando problemas reais na área de saúde. :)
Tatiana Pimenta é CEO e fundadora da Vittude, plataforma que conecta psicólogos e pacientes. Faz psicoterapia pessoal há quase 6 anos, sendo apaixonada por Psicologia e comportamento humano. Idealizadora do Consultório Virtual da Vittude, desenvolvido especialmente para atendimentos de saúde, de forma segura e sigilosa.
A Vittude é uma plataforma pioneira no ramo de saúde mental que conecta psicólogos e pacientes em menos de 1 minuto. Criada em 2016 por Tatiana Pimenta e Everton Höpner, a empresa foi acelerada pela Facebook e Artemísia, na Estação Hack – primeiro centro para inovação criado pela rede social americana no mundo para impulsionar startups de impacto social. Já está presente em cerca de 200 cidades brasileiras e possui pacientes em mais de 50 países. Atualmente a Vittude tem mais de 8 mil pacientes e cerca de 2500 psicólogos cadastrados.